COTAÇÕES AGRÍCOLAS

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O Cerrado está pra peixe


Bisneto do fundador da Sadia se junta a produtores de soja de Mato Grosso para produzir pescado

por Rodrigo Vargas, de Sorriso (MT)


O catarinense Eugênio Preima, de 63 anos, sempre levou jeito para a criação de peixes. Porém, estabelecido no interior de Mato Grosso não encontrava a quem vender sua produção. Sem alternativas, chegou a plantar soja, mas manteve vivo o sonho de fazer dinheiro a partir dos tanques de piscicultura que aprendeu a construir e aprimorar. “Já fiz de tudo nesta vida, mas minha paixão sempre foi o peixe. Só que, por mais de 20 anos, por mais que tentasse, não conseguia viver disso por aqui”, afirma.

O empresário paulistano Pedro Furlan, de 33 anos, nasceu e cresceu em meio a plantas de processamento e produção em larga escala de proteína animal. Bisneto de Attilio Fontana, fundador da Sadia, ele sempre quis se manter no segmento (chegou a atuar por quatro anos nas empresas da família), mas ambicionava trilhar um caminho novo, independente. Foi quando, trabalhando para a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), ele descobriu o potencial do peixe. “A fonte de proteína animal mais consumida no mundo é o pescado. No Brasil, em parte por não haver uma estrutura de produção e comercialização em larga escala, há muito espaço para crescer. Eu já conhecia bem a dinâmica operacional do negócio.”
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O encontro entre a vocação de produtores locais e o espírito empreendedor de Pedro Furlan se deu em Sorriso, a 420 quilômetros de Cuiabá, um dos mais importantes centros produtores de grãos do país, localizado na base da Bacia Amazônica. Foi para lá que Furlan, então com 27 anos, resolveu levar o projeto de produzir e processar peixes no mesmo modelo industrial que já era adotado nas cadeias de aves e suínos. Além do clima propício, pesaram na escolha a água abundante e o acesso facilitado ao farelo de soja (base da ração, que responde por 70% dos custos de produção).
Fundada em 2006, a Nativ Indústria de Pescados Amazônicos começou a produzir dois anos depois, mas foi somente em 2010, com a inauguração de uma planta industrial de 4.000 metros quadrados, que o negócio passou a reproduzir o modelo imaginado por Furlan. Com um investimento de R$ 80 milhões, a estrutura montada em Sorriso inclui ainda um centro de reprodução e engorda que, localizado a 50 quilômetros da sede do município, reúne 128 tanques e tem capacidade para produzir até 3 milhões de alevinos por ano. Por conta própria, a Nativ produz a tilápia (espécie de origem africana, mas muito adaptada ao Brasil), o tambaqui e o pintado-amazônico, um híbrido entre a cachara e o jundiá – que teve suas características aprimoradas nos laboratórios de reprodução da empresa.



Transportados vivos dos tanques até o frigorífico, os peixes são abatidos, processados e congelados em um intervalo não superior a uma hora. Mensalmente, cerca de 200 toneladas de postas in natura e 70 toneladas de empanados são preparadas no frigorífico. Outras 8 toneladas de camarão-cinza, compradas no Rio Grande do Norte, também integram a linha de produção a cada mês. “Metade dessa demanda é atendida por nossos próprios tanques. Outra fatia, equivalente a 40%, vem de produtores parceiros na região”, diz o diretor de produção do frigorífico, Clóvis Canzi

Os parceiros recebem alevinos subsidiados, acompanhamento técnico e garantia de compra de 100% da produção. “O parceiro banca a ração, a manutenção e a despesca. O transporte até o frigorífico também é por nossa conta”, explica o diretor. O modelo proposto pela Nativ eliminou os entraves à produção de entusiastas como Eugênio Preima, um dos primeiros na região a aderir ao novo modelo. “A chegada desse frigorífico foi uma bênção”, elogia.




Com 9 hectares de tanques em sua propriedade, ele já faz planos para dobrar a estrutura e garante: existindo mercado comprador, o investimento no peixe se paga integralmente em dois anos. “Seja pequeno ou grande produtor, é um ótimo negócio.”
O empresário do ramo de mineração Antônio Miguel Dal Soquio, de 60 anos, começou em marcha lenta, com apenas um tanque, mas obteve resultados tão positivos no primeiro ano que decidiu abrir mais seis novos reservatórios em sua propriedade. “Agora, vamos produzir em larga escala”, afirma.
Quem também mira ser um grande na piscicultura da região é o paranaense Álvaro Colombo, de 45 anos. Médico anestesista e sócio de uma área com 1.000 hectares de soja, ele nunca havia imaginado investir em peixes. A chegada da Nativ, porém, mudou essa perspectiva. Com 6 hectares já prontos para iniciar a primeira etapa da produção, Colombo diz que o projeto prevê mais 20 hectares nos próximos três anos. A produção, segundo ele, será “altamente tecnificada”, com controle rigoroso das características da água (oxigenação, pH, temperatura e nível de amônia) e objetivo de atingir até 28 toneladas de tilápias por hectare. “A gente está acreditando mesmo no negócio”, diz.

A rentabilidade da piscicultura impressiona. No caso do pintado-amazônico, 1 hectare de lâmina d’água bem manejado pode produzir uma média de 10 a 12 toneladas por ciclo de nove meses. Considerando os preços pagos pela Nativ aos parceiros (no caso do pintado, R$ 6 o quilo) e o custo de produção médio por quilo (R$ 4), é possível obter uma renda líquida de R$ 20.000 anuais por hectare.
Cultivada com soja, a mesma área renderia dez vezes menos, segundo levantamento do Instituto Matogrossense de Economia Agrícola (Imea). O cálculo considerou uma produção média de 50,4 sacas por hectare, preço médio de R$ 42,19 e custo de R$ 1.600. Nem todos na região, no entanto, viram a oferta de parceria com bons olhos. O número de produtores ainda está aquém das necessidades da empresa, que hoje opera seu frigorífico com 50% de capacidade ociosa. “Tivemos e ainda temos de enfrentar certa desconfiança por parte de fornecedores em potencial. Mas é o preço a pagar pelo pioneirismo”, afirma Canzi.


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