Código Florestal: O que já vale e o que ainda pode
mudar na lei
O Brasil tem um novo Código Florestal desde 25 de
maio, a partir da sanção da Lei 12.651/2012, que estabelece regras para uso e
proteção de florestas e demais áreas cobertas por vegetação nativa. No entanto,
ainda persistem vários aspectos pendentes na legislação florestal. Isso porque
a presidente da República, Dilma Rousseff, ao sancionar a lei, vetou parte do
projeto enviado pelo Congresso e editou a MP 571/2012, suprindo lacunas
deixadas pelos vetos.
A medida provisória tem força de lei desde sua publicação, mas deve ser
modificada no Congresso e, para não perder a validade, precisa ser votada até
outubro. No momento, a matéria tramita em uma comissão formada por deputados e
senadores, que já aprovou o texto base do relator, senador Luiz Henrique
(PMDB-SC). Nesta terça-feira (7) serão analisadas 343 emendas destacadas das
quase 700 apresentadas à MP. Na sequência, a matéria segue para os plenários da
Câmara e do Senado.
Os artigos modificados pela MP com maior chance de alteração tratam das regras
para regularização de áreas de preservação desmatadas ilegalmente até 2008. A
maior parte da lei florestal, no entanto, já está consolidada, nos termos do
projeto enviado pelo Congresso.
É importante notar que as regras de recomposição de áreas desmatadas
ilegalmente muitas vezes são mais brandas do que aquelas exigidas de quem está
começando uma propriedade.
O que já é definitivo
A lei em vigor mantém a delimitação geral de área protegida presente no antigo
Código Florestal (Lei 4.771/65), tanto em termos de Reserva Legal como de Área
de Preservação Permanente (APP). Uma pessoa que hoje adquire uma propriedade
rural e deseja iniciar uma atividade produtiva, por exemplo, deve seguir as
seguintes normas:
Reserva Legal: em fazendas na Amazônia, o proprietário é obrigado a
manter a vegetação nativa, a título de reserva legal, em 80% da propriedade, se
a mesma estiver localizada em área de floresta; em 35% do imóvel, se localizado
em área de cerrado; e em 20% da propriedade, quando ela estiver em áreas de
campos gerais. Nas demais regiões do país, independentemente do tipo de bioma,
a área mínima obrigatória de reserva legal é de 20% da propriedade rural.
Ainda para a Amazônia Legal, em estados que tenham mais de 65% do território
ocupado por unidades de conservação públicas, o percentual de reserva
obrigatória poderá ser reduzido de 80% para até 50%.
Para proprietários que, até 2008, desmataram suas fazendas além do permitido, a
nova lei acolheu regra proposta pelo Congresso: áreas com até quatro módulos
fiscais poderão ser regularizadas com a porcentagem de mata nativa existente
naquele ano, mesmo que inferior ao exigido na lei. Já as propriedades com mais
de quatro módulos fiscais serão obrigadas a recompor a área de reserva legal.
Essa recomposição poderá ser feita por meio de plantio intercalado de espécies
nativas e exóticas ou pelo isolamento da área, para que ocorra a regeneração
natural. A nova lei permite ainda compensar a reserva legal em outra
propriedade, até mesmo em outro estado, desde que dentro do mesmo bioma da
reserva desmatada.
Para fins de regularização em áreas de floresta na Amazônia Legal, poderá ser
autorizada, pelos órgãos ambientais, a redução para 50% da área de reserva
legal a ser recomposta, quando indicado pelo zoneamento ecológico-econômico
(ZEE).
Não será obrigado a recompor a reserva legal o proprietário que tenha desmatado
suas terras de acordo com leis vigentes à época, ainda que o percentual de
reserva esteja em desacordo com as regras atuais.
Preservação Permanente: os proprietários rurais são obrigados a manter
faixas de vegetação ao longo dos rios, chamadas de mata ciliar, como Área de
Preservação Permanente. A mata deve ter pelo menos 30 metros de largura, para
rios com até 10 metros de largura; 50 metros de largura, para rios entre 10 e
50 metros; 100 metros de largura, para rios entre 50 e 200 metros; 200 metros
de largura, para rios entre 200 a 600 metros; e 500 metros de largura, para
rios com largura superior a 600 metros.
Também são consideradas APPs as faixas de 100 metros, nas zonas rurais, ou de
30 metros, nas zonas urbanas, no entorno de lagoas naturais. A área em volta de
reservatórios artificiais terá faixa de APP definida na licença ambiental. Já o
entorno de nascentes e olhos d’água perenes deve ser protegido por um raio
mínimo de mata de pelo menos 50 metros.
São ainda de preservação permanente as encostas com declividade superior a 45
graus; as faixas de restingas fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
as bordas dos tabuleiros ou chapadas; o topo de morro com altura mínima de 100
metros e inclinação média maior que 25 graus; regiões com altitude superior a
1.800 metros, qualquer que seja a sua vegetação, e os manguezais, em toda a sua
extensão.
Os apicuns e salgados (que integram o ecossistema dos manguezais e são
utilizados para produção de camarão e sal, respectivamente) e as veredas também
são considerados APPs, mas sua delimitação e regras de recomposição ainda podem
ser modificadas (veja adiante).
Pelo novo código, é permitida a supressão de vegetação em APPs nos casos em que
a área for declarada de utilidade pública, de interesse social ou de baixo
impacto ambiental. Nas propriedades familiares, foi permitida a cultura
temporária e sazonal em terra de vazante, desde que não haja novos
desmatamentos.
Nas faixas de mata ciliar dos imóveis com até 15 módulos fiscais, foi permitida
a aquicultura e a infraestrutura a ela associada. Nas áreas de encosta, é
permitido o manejo florestal sustentável em áreas de inclinação entre 25 graus
e 45 graus, mas proibida a conversão de floresta nativa.
O que ainda está em discussão
Com a edição da MP 571/2012, o governo federal promoveu mais de trinta
modificações na nova lei florestal e a tramitação da medida no Congresso pode
resultar em novas alterações nas regras de uso e proteção de florestas. O foco
da polêmica continua sendo a recomposição de APPs desmatadas ilegalmente, mas
as discussões incluem ainda os princípios do novo código e aspectos como a
prática do pousio e a exploração de veredas, como detalhado a seguir:
Recomposição de APP: A medida provisória reduziu a exigência de
recomposição de mata ciliar para pequenos produtores, com áreas de até 4
módulos fiscais, que plantaram em área de preservação permanente. Emendas
acolhidas pelo relator, Luiz Henrique, ampliam as vantagens para médios
produtores, com áreas até 10 módulos fiscais.
De acordo com a MP, propriedades com até um módulo fiscal deverão recompor uma
faixa de 5 metros de mata, independentemente do tamanho do rio. Em imóveis com
área de um a dois módulos, será obrigatória a recomposição de faixa de mata de
8 metros de largura e em imóveis de 2 a 4 módulos, serão 15 metros de mata,
para rios de qualquer tamanho.
Será obrigatória ainda a recomposição de 20 metros de mata para rios com até 10
metros de largura, em imóveis com área entre quatro e 10 módulos fiscais. Para
rios maiores dentro de propriedades desse tamanho e para rios de todos os
tamanhos em propriedades com mais de 10 módulos fiscais, a mata ciliar deve ter
a metade da largura do rio, observado o mínimo de 30 metros e o máximo de 100 metros,
contados da borda da calha do leito regular.
Em bacias hidrográficas consideradas críticas, poderão ser definidas faixas
maiores de vegetação, conforme ato do Poder Executivo, após serem ouvidos os
comitês de bacia hidrográfica e o conselho estadual de meio ambiente.
De acordo com a MP, a exigência de recomposição de matas, somadas todas as APPs
da propriedade, não poderá ultrapassar 10% da área total de imóveis com até
dois módulos fiscais e 20% para imóveis rurais com área entre dois e quatro
módulos fiscais. Luiz Henrique ampliou a norma para limitar a recomposição a
25% da área de imóveis entre quatro e 10 módulos fiscais, excetuados os
localizados na Amazônia Legal.
Princípios: o relator também acatou emendas que modificam o primeiro
artigo do novo código, que trata dos princípios e objetivos da lei. O senador
excluiu incisos que previam o reconhecimento de florestas e demais formas de
vegetação nativas como bens de interesse comum a todos os brasileiros e o
compromisso com modelo ecologicamente sustentável.
No texto base do parecer aprovado na comissão mista foi estabelecido que a nova
lei tem como objetivo o desenvolvimento sustentável, atendendo a princípios
como o compromisso de preservação das áreas florestadas, a confirmação da
importância da agropecuária e das florestas para a sustentabilidade e a
responsabilidade comum dos entes federados e da sociedade civil na preservação
dos recursos florestais.
Nascentes: A MP reduziu a exigência de recomposição de mata em volta de
nascentes e olhos d’água, além de especificar que a norma se refere a
afloramentos perenes. A medida torna obrigatória a recomposição de um raio
mínimo de 5 metros, para imóveis rurais com área de até um módulo fiscal; raio
mínimo de 8 metros, para área de um a dois módulos fiscais; e raio mínimo de 15
metros de mata, para imóveis com mais de dois módulos fiscais.
Em destaque apresentado ao relatório de Luiz Henrique, o senador Rodrigo
Rollemberg (PSB-DF) pede a volta do texto aprovado no Congresso: recomposição
de raio mínimo de 30 metros de mata, para todas as propriedades.
Vereda: em seu voto, Luiz Henrique resgatou conceito aprovado pelo
Congresso, que especifica como vegetação característica de vereda “palmeira
arbórea Mauritia flexuosa (buriti) emergente”. A MP usa a caracterização mais
genérica de “palmáceas” para caracterizar a forma de vegetação predominante nas
veredas.
Para os casos de atividades consolidadas em veredas, deve ser mantida norma
prevista na MP: recomposição obrigatória de 30 metros de faixa marginal de
mata, para imóveis rurais com área de até quatro módulos fiscais; e de 50
metros de mata, para imóveis com mais de quatro módulos fiscais.
Pousio: a MP limitou a prática de pousio (interrupção de cultivos
visando à recuperação do solo) a no máximo cinco anos e em até 25% da área
produtiva da propriedade, como forma de garantir o uso produtivo e social da
terra. Luiz Henrique excluiu do conceito de pousio o limite de utilização na
área da propriedade (25%), mas incluiu esse mesmo limite em parágrafo específico,
que restringe a prática um quarto da área produtiva.
O relator também excluiu da lei o conceito de área subutilizada ou utilizada de
forma inadequada, mas manteve o conceito de área abandonada, que inclui
terrenos subutilizados ou abaixo dos índices de produtividade.
Apicuns e salgados: O relator manteve ainda capítulo introduzido pela MP
que regulariza a produção consolidada até 2008 de camarão e sal em apicuns e
salgados, respectivamente. O texto abre a possibilidade para a exploração de
mais 10% da área de apicuns e salgados nos estados da Amazônia e 35% da área
desses ecossistemas no restante do país.
O texto, no entanto, obriga a proteção de manguezais arbustivos adjacentes a
apicuns ou salgados e também prevê que a ampliação da ocupação desses
ecossistemas respeitará o Zoneamento Ecológico-Econômico da Zona Costeira.
Artigos que tratam do tema receberam cerca de 60 emendas, todas rejeitadas pelo
relator, sendo que parte delas foi destacada para exame pela comissão mista.
Cidades: o relator suprimiu dois parágrafos da MP que tratam de APPs em
áreas urbanas, um deles prevendo que a largura mínima de matas de rios que
delimitem faixa de passagem de inundação será definida nos planos diretores e
leis de uso do solo, após consulta aos conselhos estaduais e municipais de meio
ambiente, sem prejuízo dos limites gerais de APPs definidos na lei.